POCUS – point of care ultrasound, em português ecografia à cabeceira (ou como dizem os nossos amigos brasileiros, ecografia beira-leito), é uma área de conhecimento em expansão cujo objetivo primordial é aumentar a acuidade do exame objetivo a partir de informações obtidas através da ecografia realizada pelo próprio clínico.
O POCUS está a caminho do “mainstream” em especialidades como a medicina interna ou a medicina intensiva e acredito que nos próximos anos será “standard of care”. A Nefrologia, apesar do contacto precoce com a ecografia para guiar procedimentos e na avaliação compreensiva do acesso vascular, apresenta um atraso na implementação do POCUS na prática diária da especialidade.
O POCUS deve ser encarado como uma ferramenta de auxílio à decisão clínica, quer de uma forma quase dicotómica – p.e. “Este doente tem hidronefrose?”; “esta hipotensão está associada a derrame pericárdico” – quer na avaliação do estado da volémia e, de maneira mais avançada, na avaliação hemodinâmica. É fácil de imaginar como o POCUS pode ser uma mais valia na prática clínica diária de um nefrologista.
Serviço de Urgência
O POCUS permite acelerar a avaliação inicial do doente com lesão renal aguda (LRA), particularmente quando não há acesso a ecografia formal no serviço de urgência, e reduzindo a radiação associada ao TC. Em poucos minutos, podemos excluir a presença de uropatia obstrutiva e, através da utilização do Color Doppler, avaliar a vascularização intra-renal, excluindo também catástrofes vasculares como a trombose arterial. Utilizações mais avançadas permitirão avaliar a artéria e a veia renal, índice de resistividade intra-renal, o que pode ser útil na distinção de lesões renais hemodinâmicas (“pré-renal vs necrose tubular aguda”) e no diagnóstico de trombose venosa.
A avaliação hemodinâmica e do estado volémico é algo essencial durante o SU e todos nós sentimos as dificuldades de realizar esta avaliação de forma correta, muito derivado às grandes limitações do exame objetivo e a sermos confrontados com doentes cada vez mais complexos. A utilização da ecografia pulmonar, com a avaliação das linhas B (que no contexto clínico correto representa água pulmonar extravascular) e da presença de derrame pleural, juntamente com a avaliação da veia jugular interna direita e da veia cava inferior e com a avaliação sumária cardíaca (função ventricular, presença de derrame pericárdico), expande espetacularmente a nossa capacidade de visualizar congestão (ou ausência de). Esta avaliação pode até ser suficiente para concluirmos a causa da disfunção renal (p.e. Nefropatia congestiva associada a síndrome cardio-renal).
No doente que necessita de realizar hemodiálise urgente, o POCUS não só nos auxilia a determinar as necessidades de ultrafiltração (UF) através da avaliação da volémia, principalmente pela quantificação das linhas B, mas também a tolerância à própria ultrafiltração . Através da avaliação da função cardíaca, valvulopatias grosseiras, presença ou não de derrame pericárdio e da variabilidade da veia cava inferior, podemos inferior de forma mais fina qual a taxa de UF adequada, do que apenas com a avaliação tradicional da pressão arterial, crepitações, TVJ e edema periférico.
Internamento/Consulta Interna
Para além da avaliação inicial das situações semelhantes encontradas no serviço de urgência, o POCUS permite também o follow-up dos doentes, e avaliar a resposta às nossas intervenções de fluidoterapia ou diuréticos/UF. O número de linhas B e, por vezes, o tamanho da veia cava inferior diminuem rapidamente com a redução da congestão. Esta ferramenta é particularmente útil na gestão dos doentes com Síndrome Cardio-renal.
Curiosamente, o índice de resistividade intra-renal também pode ser utilizado no follow-up de uma NTA, pois tende a diminuir antes da descida dos parâmetros azotados.
Hemodiálise
A avaliação da congestão através do POCUS é obviamente muito útil para o ajuste da UF e da definição do peso seco. Há evidência crescente que o ajuste do peso seco com base na quantificação das linhas B é uma maneira segura e eficaz de tratar a hipertensão nessa população e que possivelmente reduz as hospitalizações por IC descompensada.
A utilização da ecografia está mais do que recomendada para guiar a colocação de CVCs para hemodiálise (apesar de infelizmente não ser prática transversal em Portugal), ao reduzir o número de punções e de eventuais complicações, mas também pode ser utilizado para avaliar se a veia de interesse é adequada à colocação do CVC – avaliação do calibre, presença de trombose ou sinais indiretos de oclusões centrais – estenose e tromboses antigas.
Na sala de hemodiálise, o POCUS também pode ser utilizado para resolver problemas relacionados com o acesso vascular – p.e. avaliar a maturação de uma fístula, escolher com maior segurança os locais de punção, o que aumenta a probabilidade de sucesso e reduz a ansiedade e sofrimento do doente associada à canulação. No caso de fístulas mais complexas, permite mesmo a canulação ecoguiada do acesso. No caso da ocorrência de complicações, o POCUS permite distinguir as tumefacções entre hematomas, seromas, pseudo-aneurismas, abcessos ou trombose.
Transplante Renal
O ecodoppler do enxerto renal é um meio complementar de diagnóstico fundamental na avaliação da disfunção aguda do enxerto. O POCUS também permite excluir rapidamente as causas pós-renais e avaliar a vascularização intra-renal e o índice de resistividade, acelerando a avaliação por parte do nefrologista de transplante. Com alguma proficiência permite diagnosticar tromboses da veia do enxerto, uma complicação bem mais frequente no enxerto do que no rim nativo. A avaliação da estenose da artéria renal do enxerto deverá ser feita de forma compreensiva por radiologistas experientes.
O POCUS é particularmente útil no pós-transplante imediato. Para além da avaliação vesical (as algálias muitas vezes não estão bem posicionadas) e da vascularização intra-renal/IR nos casos de anúria, habitualmente os doentes são expostos a protocolos de fluidoterapia algo liberais e é importante garantir que, pelos menos, os doentes são fluído-tolerantes, através da avaliação grosseira da função sistólica, da veia cava inferior e da ecografia pulmonar para evitar complicações. Será interessante ver se avaliações hemodinâmicas mais avançadas como o cálculo do débito cardíaco e avaliação diastólica (doppler do inflow mitral ou doppler tecidual do anel mitral) poderão ajudar a reduzir a quantidade de fluídos administrados sem comprometer a perfusão renal.
Diálise Peritoneal
Para além da gestão da volémia e peso seco semelhante ao realizado aos doentes em programa regular de hemodiálise, a utilização do POCUS permite o diagnóstico precoce e de forma mais segura do que o exame objetivo de infecções de óstio e, particularmente de túnel através da detecção de coleções peri-cuff ou catéter. Também pode ser utilizado na monitorização da resposta à antibioterapia e tem valor prognóstico no final do tratamento, a predizer o risco de recidiva ou peritonite.
Consulta Externa
Na consulta externa, o POCUS também poderá ser útil para a titulação da dose de diuréticos e para ajustar o tratamento da hipertensão.
Em síntese
Acredito que com o expandir desta disciplina no seio da especialidade, com a redução do preço dos equipamentos de bolso e também com a constante aquisição de experiência por parte dos fãs do POCUS, outras utilidades e indicações serão descobertas. E tu? Quais são as tuas situações clínicas preferidas em que utilizas o POCUS?
Onde poderá ser o POCUS útil no futuro?